Lista incompleta de insanidades salutares


Acender o cigarro por volta das quatro horas da madrugada. Observar o silêncio da noite quando todos estão dormindo. Tremer de angústias quando o sol se prepara novamente para jorrar vida no planeta. Tomar aquele café amargo como se o mundo fosse um vasto campo de ruínas. Sentir o frio da ventania ingrata que bate os vidros da janela. Tocar o ar com os olhos, em movimentos alvoroçados, e sem perceber para onde se dirige a loucura. Arremessar a xícara de café bem longe, quebrando outros objetos, jubilando agora. Lembrar-se de que as horas e os dias também levam fim. Admirar-se no espelho com todos os botões no rosto e as bolsas inchadas dos olhos. Meter a brasa em outro cigarro, e depois do quinto, se ainda tiver vazio, misturar as drogas que restam no armário. Abrir uma garrafa de refrigerante americano. Ler o que for possível da Maria Judith de Carvalho. Rasgar alguns jornais velhos que apodrecem no toilette. Pensar na mediocridade da nação do futebol. Regularizar a situação...

E mais o quê? Será que falta algo mais?

A lista não obedece um critério rigoroso, delineado numa hipotética conspiração egocêntrica ou manipuladora – se fosse isto, eu já teria quebrado a cara – com o intuito de adquirir as vantagens. Porque é assim mesmo que os fatos ocorrem no destino de um gênio.

A situação passou os limites do caos, se bem que não adianta tentar recuar. Os sábios que me guiaram até hoje ainda estarão imortais quando se falar também no meu nome. E se já ultrapassou o ponto suportável, ora paciência! Quem vive na pressa não deve escolher o perdão dos maiores inimigos? A sabedoria turca ensina a ter esta qualidade humana em todas as ações.

Possamos ler a lista e sublinhá-la com uma melancolia estúpida ou curvar-se igual a uma criança aturdida de tantas risadas. Com os milhões ainda no banco, segundo me informa o gerente amável, terei sossego e sossego para o real, a vida real, a vida real como me dizia a televisão na infância, mas não sossego para a Literatura.

O quê? Você não está entendendo?

Volte para a primeira linha. Acender um cigarro e desta vez enchê-lo de tédio na hora do trago. São ares de um quadrado panorâmico. Reler as primeiras linhas. Tomar a caixa de antidepressivos. Tomar um banho com espuma de sêmem. Anotar a novidade da revista Nouvel Observateur. Ou será que devo apagar tudo e recomeçar?