Entre pai e filho



A pesquisa de opinião é uma maneira muito eficaz adotada pelos senhores de poder afim de assegurar as rédeas de qualquer país. Os piores governantes sempre empregam este tipo de artifício quando a situação beira à catástrofe. Mas não apenas quando tudo vai mal. Os colarinhos não deixam de ser imaculadamente brancos na laia tupiniquim que se deixa domar pelos estereótipos europeus ou americanos – exemplos cruciais de bem-estar. Existe quem discorda de tais afirmações. Afinal, não é na França onde mais se deprime neste mundo? Toneladas de medicamentos são proscritos diariamente para acalmar a francesada e seu mau humor histórico. Os institutos que analisam os dados desta população depressiva acabam sem entender qual é a causa de tantos gritos, berros e choros frenéticos. Grandes nomes saíram desta nação em forma de hexágono. Falar de Napoleão, falar de Flaubert... não é preciso. Nem preciso dizer que o céu parisiense vem sendo constantemente nublado, ou com aquela cor de alumínio e mais aqueles pingos chatos de chuva fraca, quase lânguida, insidiosa... Graças à natureza, se posso ainda exaltá-la, Paris é o centro do universo. Aqui, e não em Ipanema, posso ver os bacantes e as ninfas mais esdrúxulos. Tive que abandonar o meu filho. Deixei o coitado com a mãe dele. Quando me viu chegar com a criança, ainda admirada e como se estivesse a procurar uma metralhadora, quase morreu. Reclamou comigo, chamou-me de filho da puta, desgraçado, desejou ver-me fodido, sem um vintém. Foram palavrões os mais grosseiros. Alguns amigos me disseram que fui “realmente” longe demais na maldade e que o filho não deveria pagar pelos erros dos adultos. Mas o menino era sem interesse. Se isto não acontece em Ipanema é porque fugi dos bronzeados púbis da terra carioca. Agora, sem os pedidos malditos por aquela voz de criança mimada, vou dormir e acordar com muita gente, organizar duas orgias todas as semanas, e escrever mais coisas geniais.

Para terminar, deixo aqui um novo nome que deve ser considerado com respeito: Rachel. Foi o nome que recebeu a gata, um animal que encontrei perdido numa floresta da região parisiense. Permitiu-me evitar os excessos a descoberta desta felina individualista, caçadora como um verdadeiro humano, brincando com as presas antes de matá-las.

No final das contas, pensando bem, o cálculo foi nulo: expulsei o filho de casa e adotei uma selvagem. Até agora está bem.

A relação é provável entre o estado de pouca euforia na França e os animais domésticos da tal crônica.

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Lista incompleta de insanidades salutares


Acender o cigarro por volta das quatro horas da madrugada. Observar o silêncio da noite quando todos estão dormindo. Tremer de angústias quando o sol se prepara novamente para jorrar vida no planeta. Tomar aquele café amargo como se o mundo fosse um vasto campo de ruínas. Sentir o frio da ventania ingrata que bate os vidros da janela. Tocar o ar com os olhos, em movimentos alvoroçados, e sem perceber para onde se dirige a loucura. Arremessar a xícara de café bem longe, quebrando outros objetos, jubilando agora. Lembrar-se de que as horas e os dias também levam fim. Admirar-se no espelho com todos os botões no rosto e as bolsas inchadas dos olhos. Meter a brasa em outro cigarro, e depois do quinto, se ainda tiver vazio, misturar as drogas que restam no armário. Abrir uma garrafa de refrigerante americano. Ler o que for possível da Maria Judith de Carvalho. Rasgar alguns jornais velhos que apodrecem no toilette. Pensar na mediocridade da nação do futebol. Regularizar a situação...

E mais o quê? Será que falta algo mais?

A lista não obedece um critério rigoroso, delineado numa hipotética conspiração egocêntrica ou manipuladora – se fosse isto, eu já teria quebrado a cara – com o intuito de adquirir as vantagens. Porque é assim mesmo que os fatos ocorrem no destino de um gênio.

A situação passou os limites do caos, se bem que não adianta tentar recuar. Os sábios que me guiaram até hoje ainda estarão imortais quando se falar também no meu nome. E se já ultrapassou o ponto suportável, ora paciência! Quem vive na pressa não deve escolher o perdão dos maiores inimigos? A sabedoria turca ensina a ter esta qualidade humana em todas as ações.

Possamos ler a lista e sublinhá-la com uma melancolia estúpida ou curvar-se igual a uma criança aturdida de tantas risadas. Com os milhões ainda no banco, segundo me informa o gerente amável, terei sossego e sossego para o real, a vida real, a vida real como me dizia a televisão na infância, mas não sossego para a Literatura.

O quê? Você não está entendendo?

Volte para a primeira linha. Acender um cigarro e desta vez enchê-lo de tédio na hora do trago. São ares de um quadrado panorâmico. Reler as primeiras linhas. Tomar a caixa de antidepressivos. Tomar um banho com espuma de sêmem. Anotar a novidade da revista Nouvel Observateur. Ou será que devo apagar tudo e recomeçar?
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A seca do ano de 1915


O belíssimo livro da Rachel de Queiroz é como uma daquelas coisas que nos transformam profundamente, quando acontece o que a ciência considera a “consciência do outro”.

Vejo neste livro uma escritora que não faz julgamentos, deixando evoluir as suas personagens conforme a Natureza dita as regras... O Quinze é uma obra de grande impacto quando analisamos os seus aspectos sociais: um mundo cruel que devora os mais fracos, um cenário de seca devastadora e castigos de fogo que não perdoam o destino dos sertanejos.

É por esta razão principal que o romance se lê de uma só vez, sem medo de atropelar uma página, numa linguagem solta e elegante que faz deste livro algo de genial para uma mulher assim tão jovem. Todos já sabem o destino fulgurante que teve a escritora do Ceará.

Conceição é Rachel, mas também é Rachel todos os horrores que desfilam durante a leitura.: descreve homens e mulheres corajosos, sobreviventes num espaço hostil e em busca de progresso e liberdade.


Tudo é fatal neste livro. Penso que "O Quinze" é uma continuação dos pensamentos do filósofo Nietsche.

Pronto.

Agora vocês poderão dormir tranqüilos. E não adianta procurar nos dicionários nem nas enciclopédias mais abastadas qualquer relação concomitante entre o que escrevemos de madrugada ( acabei de ver que não durmo mais na vida ) e aquilo que se lê sem muita paixão. Ainda estão presentes na minha memória todos os gritos da Rachel – a genial Rachel que nunca mais me deu sossego.

O QUINZE, obra-prima
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